Angela, um Mito
em Construção
em Construção
Lídia Jorge *
Quando a antiga ministra do Ambiente assumiu as funções de Chanceler da Alemanha, começou a constar em Lisboa que se tratava de uma figura demasiado rígida para se augurar alguma coisa de bom para o sucesso da Europa. O próprio Tratado de Lisboa, assinado no final de 2007, foi visto por muitos como uma estratégia de domínio sobre o espaço comunitário, manobra a que Portugal se prestava como criado, sorridente e agradecido. E falava-se já então de uma teia de dominação financeira que estaria a ser urdida a partir de Berlim. Mas eu tinha uma outra visão da chancelar. No princípio do seu mandato, havia passado cerca de meia hora a uns escassos metros da sua pessoa e achara-a interessante. Durante os discursos, Angela distraía-se, sorria para os sapatos, abandonava as mãos, e eu tive a ideia de ver no seu rosto alguma coisa de terno e de humano, alguma coisa de profundamente pacífico. Essa imagem ainda perdurou por algum tempo, e só começou a desvanecer-se quando a chanceler se pôs a enviar recados aos governos dos outros países, utilizando uma rude linguagem de mestre escola.
Aí, já a dúvida tinha começado a
circular sobre se a chanceler estaria à altura de ser alguma coisa mais para
além de chefe de governo do seu próprio país. Agora, o impasse que está criado
diz-nos que dificilmente o será. É que Angela Merkel tem o dedo da História apontado
à sua testa e não parece querer interpretar o papel decisivo que lhe foi reservado.
E no entanto, não pode fugir a ele. A fragilidade que se vive na Europa leva a
pensar que Angela tem no seu nome uma marca angélica que o Futuro não
esquecerá, e quer queira quer não, está destinada a ser mito. Mas será que
Angela irá ser portadora de uma asa escura que fará a ideia da Europa desmoronar-se?
Ou pelo contrário? Desenrolará uma asa clara que fará reunir atrás de si os
países europeus desunidos, reinventando a utopia política mais avançada do
mundo de que os germânicos têm sido o motor? Para que lado cairá, então, o mito
de Angela Merkel? No caso dos portugueses, sempre predispostos a visitarem o
seu passado, para voluntariamente obedecerem e se humilharem, lembrar a
História da Alemanha não está nos seus hábitos. Mas Angela Merkel, em nome dos
alemães, deve saber que todos aqueles a quem a sua política exige ajustes de
contas impossíveis, começam a ter de novo essa História no pensamento, e dar
pretexto para que a imagem desse passado regresse é inaceitável. Inquieta-me,
pois, a sua figura. De que lado ficará Angela Merkel, quando os discursos de
circunstância terminarem e ela já não tiver tempo para olhar para a ponta dos
seus sapatos?
__________________________________________
* Publicado a 30 de junho de 2012,
no Frankfurter Allgemeine Zeitung
Tire uma cópia
Sem comentários :
Enviar um comentário