sábado, 23 de julho de 2016

Lidia Jorge A terra natal a seus pés.

Memorável
Do jornal on-line SulInformação

Lídia Jorge recebe Medalha de Honra de Loulé das mãos do admirador Marcelo Rebelo de Sousa

O Cineteatro Louletano encheu para ver a escritora Lídia Jorge receber, ontem, a Medalha de Honra do Município de Loulé. Ao Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, presente na cerimónia, coube a tarefa de entregar a distinção à natural de Boliqueime, de quem disse ser admirador. “Tenho dificuldade em exprimir a alegria que sinto”, confessou a escritora. 
Palmas e muitos sorrisos. Foi este o ambiente dominante da cerimónia de entrega da Medalha de Honra do Município a Lídia Jorge. Além da escritora e de Marcelo Rebelo de Sousa, o presidente da Câmara de Loulé Vítor Aleixo completou o trio que ocupou o palco do Cineteatro. “Esta distinção é um pequeno tributo pelo muito que tem feito por nós”, disse Vítor Aleixo. E, emocionado, complementou: “Lídia Jorge representa a expressão e o sentimento de uma comunidade”.
Depois de já ter sido galardoada com a Medalha Municipal de Mérito – Grau Prata, em 1993, a escritora, natural de Boliqueime, foi agora distinguida com o louvor mais alto do Município. “Esta é uma distinção muito especial para mim. Nunca minimizei – nem escondi – que sou natural do Algarve, filha de camponeses do Sul. Sempre me mantive fiel a esta terra”, confessou Lídia Jorge.
Marcelo Rebelo de Sousa Loulé (17)Sempre com o olhar focado em Marcelo Rebelo de Sousa, a escritora falou, como não podia deixar de ser, de literatura. “Há uma relação direta entre o grau de leitura e o nível de participação dos cidadãos. Em Portugal, em termos de iliteracia, vivemos, ainda, em patamares muito recuados”, avisou. E o Presidente da República acenou-lhe com a cabeça.
Marcelo sentiu que não podia faltar. “Há momentos na vida em que temos a intuição de que temos de fazer algo”. A presença na cerimónia de entrega da distinção a Lídia Jorge foi um deles. Marcelo disse-o. Para o Presidente da República, ficou destinada a última intervenção. Com o à-vontade que lhe é conhecido, disse sentir-se sensibilizado com a humildade com que Lídia Jorge partilhou o seu galardão com o marido, Carlos Albino.
Devido às muitas palmas, Marcelo teve de fazer uma pausa no discurso. Mas não deixou de sorrir. Mal pôde, concluiu: “Só os grandes do mundo conseguem – e são – humildes”.



quarta-feira, 13 de julho de 2016

Nesta sexta-feira (15) Recomeçamos.

Muito ficou por dizer
Caros leitores de Lídia Jorge, nesta sexta-feira (15) vamos retomar depois de longa paragem. Como é sabido, esta página é autorizada expressamente pela Escritora. Muita informação ficou pelo caminho mas com paciência, o tempo recupera-se.

segunda-feira, 7 de março de 2016

Memória - João de Deus


O Alfabeto de João De Deus

Lídia Jorge *


Em frente do quadro preto, o  nosso colega abriu os braços, enviou o olhar para o fundo da sala  e disse – “A Vida, poema de João de Deus”.  Baixou os braços e estendeu as duas mãos como se fosse oferecer um material precioso aos seus companheiros - “ A  vida é o dia de hoje”.  Recolheu os braços, mas não as mãos que deixou estendidas -  “A vida é ai que mal soa, A vida é sombra que foge.” E  ao passar pela palavra ai,  elevou a voz  em tom de fundo suspiro. As mãos estavam compostas  junto  à pequena camisa branca. O cinto preto fazia dele um homem em miniatura. Um lacinho azul criava um tom de cerimónia tão alto que apetecia chorar. Ele  levou os braços de novo adiante  e falou de neve, agitou-os quando falou do fumo que se esvai, e do momento que passa, depois juntou as duas mãos  e encostou a cabeça  aos dedos como se pensasse, e pronunciou -  “Mais leve que o pensamento”.
Nós estávamos siderados, sentados, elevados e ao mesmo tempo diminuídos pela perícia do nosso colega trajado a rigor. Então ele falou de vento, folha, flor, corrente, sopro, estrela cadente, ave, nuvem, mares, ondas, pena  e asas, e a cada  uma dessas  palavras cheias que recitava, os seus braços faziam um gesto que se assemelhava em alguma coisa  com o ser invocado. Os braços do nosso colega ondularam,  tremeram,  voaram por cima da sua cabeça,  e todo o seu corpo se encolheu  como se tivesse sido trespassado por uma dor, e depois se alongou como se dela tivesse saído ileso, quando  atirou para o chão, e depois para o ar, os quatro  últimos versos -  “A vida, pena caída, Da asa de ave ferida,  De vale  em vale impelida,  A vida o vento a levou!” Disse ele. Nessa altura, nós não sabíamos o que era o aplauso. Ficámos silenciosos, estarrecidos, aprisionados num momento que não queríamos que se movesse. Mas moveu-se. O nosso colega regressou à primeira carteira, ainda a tremer, todos nós  a olharmo-lo  com o respeito dos  súbditos, e eu,  a partir do meu lugar,  não conseguia segurar o instante.  Foi assim que aprendi a pronunciar a primeira letra do alfabeto, aquela que ensina a  decifrar o enigma da transitoriedade, e com a qual se escrevem todas as palavras do mundo.


*In Efeméride
8.3.2015

Intervenção - Simpósio do Clero, 2015

O Preço Da Palavra

Lídia Jorge*

         O tema deste painel  é  deveras  estimulante,  pois  falar,  a partir de um ponto de vista exterior,  sobre os desafios  que se colocam hoje em dia à vida dos padres, equivale a passar em revista algumas das  mais elevadas utopias  que movem as sociedades contemporâneas.  Aqueles a quem nos dirigimos, por convite dos próprios,   são os intérpretes mais visíveis  de um determinado desejo de  superação  colectiva  latente em todas as culturas,  e esse ministério tem um preço.  Sendo pessoas como todos,  estão  os padres investidos,  publicamente, de um projecto in-humano que é o da realização  activa  de um processo de transcendência.  Ou por outras palavras,  são os padres  pessoas comuns  que aceitaram ser investidas de responsabilidades incomuns.

         Tão incomuns  que do padre se espera que seja justo,  atento, acolhedor,  fraterno, terno,  probo, simples, dinamizador,  persistente, valente, discreto,  casto, visionário,  prosélito,  paciente,  confidente,  eloquente e sábio.  Se for tudo isso,  talvez mereça  que se lhe junte, por certo,  a palavra que está na meta das suas vidas,  na terminologia cristã, que é nada mais nada menos do  que  ser  santo. 

Mas essas contas não nos dizem respeito, essa contabilidade  da perfeição e da imperfeição é do foro privado, e coincide com as contas que todos damos da nossa humanidade,  mais que não seja, perante nós mesmos.  O que  importa  nesta circunstância  é que  de entre  todas as   qualidades diante das quais o padre parece  ter o dever de não  falhar,   sobreleva uma outra,  que hoje em dia toda a gente  menciona, quando a Igreja é avaliada  enquanto  entidade  de poder e influência. Ao padre exige-se-lhe que saiba  ler o seu tempo. Mais do que isso, exige-se-lhe  que  ajude a construir o  tempo que está para vir. O que equivale a pedir-se-lhe que seja  um clarividente e um vanguardista, ou pelo menos que reconheça  onde está a vanguarda e perante ela se defina  em público.

Não é pouca coisa, sobretudo num tempo em que as questões vitais  do direito ao nascimento, do direito à morte,  as  novas questões de género  e o novo agregado  humano,  bem como os  difíceis  dilemas  do convívio global sobre a Terra,  ocupam lugares  de disputa  e são  motivos de fractura.   Nesse  difícil  exercício  de clarividência,   como em todas as outras tarefas,  por certo que os padres não  ignoram os anseios mais profundos dos seus vizinhos no tempo, nem os seus desejos nem os seus sonhos,  e nem as suas perversidades e  as suas abjecções,   porque os homens a as mulheres  são feitos de tudo isso. E também não  ignoram  o esforço  a que  procedem outros  campos  da espiritualidade,  que não só o  religioso,  para que  as pessoas se elevem acima dos seus limites, através da prática do bem, mas também da fantasia e da beleza.  E é  aí que   são convocadas, como disciplinas fundamentais, a  Literatura  e a Arte. São  convocadas por tudo aquilo que representam em matéria de ensaio de superação,  e por isso mesmo  proporcionam  um  indiscutivel espaço de   conhecimento.   Um conhecimento indispensável, creio, a todo aquele  que  precisa de entender em profundidade o fluxo de vida que perpassa  pelos seus contemporâneos, e por cada um  em  si mesmo, enquanto parceiro no tempo.
Nesta circunstância, é um truísmo dizer  que a Literatura e a Arte   visitam o que de mais fundo existe no coração dos homens  –  o desejo de  alterar as leis da realidade,  a vontade de  transfigurar o mundo,  funcionando uma e outra como uma sonda que  traz à claridade o que em princípio vive escondido no íntimo.  Arte e Literatura são produzidas por quem coloca o pudor de lado e deixa  que   aflore aquilo que as pessoas no seu dia a dia controlam ou tentam ignorar. Por isso, a Literatura, enquanto ramo da Arte, à primeira vista,  surge como repositório  de uma matéria deformada,  e carece de aprendizagens  no seu acesso,  para que  não seja repelida como inútil, e interpretada  até como prática ofensiva. A Literatura, então, porque vive da  expressividade da  linguagem, tanto  refere os lados mais etéreos  da vida,  como  reproduz os  sulcos  mais materiais da realidade,  procurando   transformá-los  em lugares de  sublimidade e grandeza.  A  afirmação  de Terêncio de que “nada do que é humano me é estranho” encontra  neste campo   a sua  concretização  maior. Quando lemos no romance “Naus”,  de Lobo Antunes,  expressões como esta , “Ao sétimo escarro, amanheceu ”,  sabemos que vamos ao encontro do que  está gravado na nossa própria natureza, ensinando-nos não só a morrer, mas sobretudo a viver enquanto seres cercados por um corpo.   

O que eu quero dizer é que os padres  de hoje não são mais os sacerdotes antigos que podiam passar  cinquenta anos da sua vida sem outras referências que não fossem os textos litúrgicos e os Testamentos.  Hoje em dia, os padres são leitores e são frequentadores dos locais onde se mostra a Arte.  Reconhecem  que  a Arte e a Literatura, ainda quando negam o mistério,  servem para corroborar  a sua presença e dele  também fazem parte. Felizmente, desapareceu o preconceito antigo de que quem encontrou a fé está munido de uma ferramenta de superioridade  sobre os demais, para se partir do princípio de que quem crê,  tem a felicidade de ter encontrado um repouso que os outros porventura não encontram.  Se interpreto bem, a envangelização, tal como está neste momento a ser entendida,  realiza-se  sobretudo neste segundo  sentido de partilha.  

É que  a Religião tem em comum com a Arte o facto de  ambas  serem manifestações que demandam  a Totalidade. Totalidades diferentes, é verdade.   Em princípio,  os crentes  encontraram a Totalidade,  encontraram um nome para essa totalidade,  e dialogam com ela  com a certeza de quem viu a verdade e ficou maravilhado.  Os artistas dialogam com uma totalidade  difusa,  para a qual não encontraram um nome exacto, um rosto definido,  ou uma verdade revelada.  Por isso agem sem rede e sem certeza. Sem sistema e sem protecção de qualquer género. A sua experiência é a da solidão.  Serão antagónicos estes campos? Não são.  A vida mostra que se entra e sai de um campo para o outro com muito mais frequência do que se  admite em  voz alta. A escuta mútua e recíproca  mostra que existe vantagem  na sua convivência.  Desse ponto de vista, partilho inteiramente da opinião de um conservador  como foi, no domínio do pensamento, o poeta  T.S. Elliot .  Defendeu  o autor de “The Waste  Land”  que  em qualquer sociedade,  “A sensibilidade artística se empobrece com o  divórcio da sensibilidade religiosa, a religiosa com a separação da artística…”

Vale a pena  perceber também quanto o domínio artístico  pode preencher a dimensão  mística  das pessoas.  Hubert  Reeves,  no ensaio “Man and the Universal”,  declarou  o seguinte – “A minha relação com a transcendência passa pela Arte, e sobretudo pela música. Mas não pelas práticas religiosas. As salas de concerto são as minhas igrejas. E os quartetos de Schubert falam comigo, mais eloquentemente que os argumentos de um Além que nos ultrapassa e que nos rodeia por todos os lados”.   E citando  Saint-John Perse  acrescentou   – “Quando as mitologias se extinguem, é na Poesia que o divino encontra refúgio”.  Aliás, recentemente,  Giorgio  Agamben  espantava-se com o facto de  que hoje em dia o homem moderno  possa viver não só sem Deus mas sobretudo sem pathos  por não ter Deus,  o  pathos  antevisto  por  Dostoyevski  e Nietzsche , quando  entenderam que  Deus tinha morrido.  Aquele autor diz mesmo que o homem comum sobreviveu a Deus sem dificuldades e é hoje espantosamente respeitoso das regras e das convivências sociais como se a profecia  segundo a qual  “Se  Deus está morto, então tudo é permitido” não lhe dissesse respeito.   À capacidade  de  o homem moderno  encarar a vida sem o conforto da religião, suportando-a  com resignação, e sem vislumbre de qualquer sentido metafísico,  chama  aquele autor  o “heroísmo do homem comum”. Nesse sentido,  quando a Igreja refere que existe uma des-religiosidade das sociedades contemporâneas,  sobretudo no Ocidente, não deixa de ter razão.  A questão é que  às sociedades  fortemente  laicizadas – não falo do ponto de vista político  onde a separação dos poderes  é garante da integralidade religiosa -  às sociedades fortemente laicizadas, dizia,  ao contrário daquilo em que se acreditava  há poucas décadas, correspondem sociedades gradualmente  despoetizadas.  E se porventura elas caminharem  no sentido de uma  despoetização  crescente,  por certo que caminharão  no sentido da  sua própria desumanização.  

Mas, sem dúvida,  que não acontecerá.

Na enumeração das qualidades dos sacerdotes, não  referi  a qualidade mais importante que é ser  esperançoso.  Suponho que em face dos grandes desafios do presente,  e  das opções  difíceis  que os sacerdotes  enfrentam nos dias de hoje,   para nos transmitirem a sua esperança,  e nos ajudarem a transitar  com mais frequência entre os dois campos  das Totalidades distintas -  a uma delas chamamos Deus,  e à outra, à falta de melhor, Interrogação  -   permitam-me que mencione  três  aspectos  fortemente  sensíveis.

Um  deles   diz respeito à  pregação,  ao sermão e à homilia na liturgia do domingo.  Com o devido respeito,  julgo que muitos daqueles que são os  tais “heróis” da vida comum, os cidadãos que se comportam  bem,  mas  prescindem da ideia de Deus,   raramente  encontram  nas prédicas  dos sacerdotes   discursos que os convençam,  ou  sequer os  atraiam.  É verdade que a Igreja tem um bom refúgio. Cristo, através dos Evangelhos,  legou à cristandade poderosas parábolas  que têm alimentado  vinte séculos de Cultura, Civilização  e Crença.  Essa é a base da Grande Escritura, e assunto da Grande Leitura,  de  contínua exegese e interpretação.  Mas  eu estou como o filho de uma  amiga próxima.  Quando criança, sempre que a mãe tinha uma dúvida, aconselhava-a –  “Mãe, é muito fácil, pensa  o que faria  Jesus  no teu lugar”.  É uma forma pueril de encarar a questão. Mas eu pergunto  -  Se   Jesus Cristo aproveitou a tradição hebraica da parábola para  falar aos seus contemporâneos,  por que razão  os métodos da narrativa e da poética  contemporâneas estão totalmente ausentes da pregação?  O que faria Ele no  lugar do pregador de hoje?  Ausentar-se-ia  por completo  das fábulas  que  povoam  o imaginário  moderno?  Já não digo que  os sacerdotes   refiram  textos  claramente  dia-bólicos,  mas,  ao menos  alguma incorporação  de  textos de  autores  que foram crentes e que deram testemunho  da sua adesão àquela  Totalidade cujo nome é Deus.  A lista seria numerosa, como se sabe.  A verdade é que  somos  carentes de  parábolas, de histórias,  discursos  com enigma e desenlace,  a narrativa    que está na base da comunicação  com os outros. Até mesmo  o aforismo, essa síntese  mínima do pensamento,  contém uma história.  Wallace Stevens  criou o célebre verso  com o qual  abre  um inesquecível  poema,   desta forma - “Poetry is the supreme fiction, madame…”  Sugerindo  que  a poesia  também  é  uma  ficção,  uma história.  Aliás, os homens poderiam ser definidos como aqueles que  deixaram de ser animais quando começaram a contar  histórias.  Segundo  os princípios cristãos,  Cristo soube fazê-lo  exemplarmente por nós todos.  Em minha opinião,  porém, o refúgio  das prédicas dominicais  na  linguagem  abstracta,  cifrada,  predominantemente  predicativa,  com o uso do silogismo que  na primeira premissa já contém a conclusão, ajuda   o homem comum a sair pela porta fora do templo e a  continuar a ser  um estoico solitário,  dialogando sozinho com  as feridas do seu corpo.  
Do mesmo modo que  estimula  esse estoicismo solitário,  o do homem que tudo cala e consente,  o silogismo circular de que Deus é amor, nós somos filhos de Deus, logo, nós somos amor.  Ora nós  não somos só amor. Nós somos a madrugada deslumbrante e somos a sujidade que se cospe.  Alargando  a metáfora,  infelizmente, o  segundo elemento  é predominante  em muitos homens e mulheres que dominam e forçam ao silêncio  outros homens e  outras mulheres.  E por isso,  a meu ver,  a Igreja dos cristãos participa  no estímulo  à  desordem  profunda quando  convida à submissão e ao silêncio conformado, em nome da  ordem de superfície.  O apelo à ordem  pacífica   que  se realiza  na vida  quotidiana  sem fala, quando  injusta,   conduz  ao mundo sem outros horizontes  que não sejam os que nos dão  os cumes  das montanhas e a linha azul  do mar. Sendo  Cristo aquele que veio contar parábolas  para que os homens se libertassem da sua condição afásica,  a sua advertência de que  “se eles, os discípulos, se calarem, as próprias pedras falarão” (Lucas, 19.40),  ainda que aplicada a  um  contexto diferente,  continua   a ter pertinência .  Se não for assim,  se não for  ele  a falar e a conduzir os outros   à  fala, como pode esse  padre da paróquia mais próxima ser um homem esperançoso e ajudar os  seus vizinhos, aqueles a quem  chama  carinhosamente o  seu rebanho,  a serem-no também?  Gente com esperança?

 Visto a partir de fora, as exigências que se colocam  ao ministério  dos padres  são muito  elevadas.  E porque estamos  sob a referência da Arte,  ouso dizer que  ao padre, além de tudo o mais, também se lhe pede que seja  um esteta, uma vez que  lhe  assiste o princípio  de que vale a pena contaminar  o homem comum,  enredado no desamparo  metafísico,  com  uma ideia de transcendência. Ora, para além do dom da palavra, que comporta o dom  da   parábola,  base fundamental de  transmissão da doutrina,  não me parece que  alguns dos  ambientes , onde se desenrolam   os actos de culto,  possam  continuar desprovidos de uma encenação  compatível  com  as exigências de hoje.
 
Hoje, como está  à vista,   tal como  foi previsto há  várias décadas,   a qualidade  dos conteúdos  está sendo  afogada  pela exuberância dos meios.  Nos anos cinquenta,  quando os mentores da BBC  defenderam que a televisão iria poder   partilhar com o povo os níveis  mais levados da cultura - nas suas palavras de então, ballet  e música clássica -   eles estavam a vislumbrar o que hoje,  de facto,  foi  possível concretizar.  Na profusão dos canais temáticos,  a cultura  erudita e  superior está  acessível  a toda a gente. Mas  as escolhas  maioritárias, como se sabe,  são feitas no sentido  diametralmente  oposto.  Através dos meios mais sofisticados,  de forma surpreendente,  o mundo arcaico  ressurgiu como um fantasma e  impôs-se.  Aliás, por razões compreensíveis,  quanto mais arcaicas são as culturas,  melhor  elas se  inscrevem no panorama  da comunicação eletrónica.  O  cerne do pós-modernismo  é isso mesmo.  O mundo  encheu-se  de espectáculos  bárbaros em vez dos tais ballets e música clássica. Portugal muito particularmente.

Como competir a Igreja com essa tendência neo-barroca no seu absoluto paroxismo electrónico?  Como temperá-la? Como invertê-la?  Como  combatê-la,  se  entende  que  deve combatê-la?  Deve a Igreja propor o seu oposto? Oferecer  momentos de silêncio?  Espaços de simplicidade?  Música de qualidade? Letras  de canções religiosas  que não rocem o indigente?  Passos coreográficos que não imitem um  carnaval  caótico?  -  Coloco-me todas estas questões, não tenho  respostas.  Mas calculo que esta seja uma preocupação  da Igreja actual  e que  os seus membros    vivam  na  contingência permanente de encontrar soluções   imediatas e práticas,  longe da abstração dos princípios que gostariam de poder aplicar.  O que não deve ser fácil. 

São muitas, pois,  as  qualidades que  parecem ser  requeridas  ao  padre de hoje.  Como se a ele se aplicasse a exigência  estoica   de que  exigir o máximo é o mínimo.  Pois ainda lhe pedimos  que seja  um prático,  um  orador, um esteta, um  leitor,  e por aí adiante.  A começar pela primeira de todas as qualidades  -  A de possuir uma  atitude  acolhedora, sem limites, aquela que  leva as pessoas   a olharem  para a torre da  igreja que fica  ao fundo da rua, e  a pensarem  que no interior desse edifício,   haja o que houver,   lá  está,  à   espera  de quem entre,  um homem  que se apaixonou pelas criaturas  da Terra. As próximas e as que vêm do fim do Mundo.    






* Texto apresentado por Lídia Jorge durante o painel "Desafios à vida dos padres"
Simpósio do Clero, 2015 - "Padre, Irmão e Pastor", 

 31 de Agosto de 2015


Intervenção - Património Cultural, Conhecimento e Cidadania


Passamos pela Terra


Lídia Jorge *

Este é um encontro comemorativo,  mas sobretudo um fórum de especialistas na defesa do Património, e nesse sentido sou uma pessoa marginal  a este debate. Já talvez não o seja tanto,  quando penso que  pertenço ao grupo daqueles  que  aqui  estão presentes  apenas  porque   consideram  que não é impunemente  que passamos pela Terra.

Passamos pela Terra é o título que dou as estas breves palavras, no pressuposto de que aquilo que nos aproxima neste encontro é a ideia de que ao longo da nossa vida, quer queiramos quer não,  inscrevemos na sua superfície  o sulco das nossas vidas. O que cada um de nós pergunta, nas horas de balanço,  é como estava a Terra quando aqui chegámos, como estará ela quando daqui partirmos, e de que lado nos encontrámos, quando ela  desviou  para pior, ou, quando, pelo contrário, avançou no sentido  do progresso e da sua melhoria.  Por muito pouco que tenhamos feito,  beneficiando  do  seu usufruto,   inevitavelmente,  melhorámo-la ou diminuímo-la.  Nenhum de nós passa pela   Terra como uma borboleta  que pousa aqui e ali,  que nasce vive  e morre, mas deixa  a Natureza  na mesma.  Nós herdamos mudanças e fazemos mudanças,   somos sujeitos activos da História.   A  consciência  do  contributo  pessoal ,  e da nossa função enquanto agentes  de mudança,  nos dias de hoje, é tão mais importante quando sabemos  que estamos inscritos numa zona do Globo onde as transformações são aceleradas, a  alteração dos modelos  de vida  tem sido  rápida, a instabilidade existe, e a filosofia sobre o aproveitamento da terra, do mar e dos patrimónios  recebidos como legado,  tem sofrido evoluções tão rápidas que por vezes   se altera  em  escassos  períodos de tempo.
Talvez por isso mesmo, por essa aceleração de ritmo,   o  encontro de comemoração  dos  dez anos  da Convenção-Quadro  do Conselho da Europa sobre o Património na Sociedade Contemporânea,  acontecido  na mesma cidade e local onde foi assinada,   assuma especial significado.  Um instrumento legislativo que  une a vertente da herança  à  vertente da inovação,   que atribui  ao respeito pela  conservação do legado  um papel central  na  evolução harmónica das sociedades, e que  promove como conceito o princípio de que o respeito pela diversidade  da herança cultural é um motor de consideração  pela diferença  e  pela coexistência consentida,  e logo um  promotor  de paz.   Aliás, a  importância  teórica  destes princípios  fica bem  em relevo,  quando se avalia  em concreto o que tem acontecido a este respeito,  no seio  da própria Europa,  o  espaço  alvo a que  este texto  se
dirige. 

Por alguma razão, no livro que Guilherme d’Oliveira   Martins publicou  há seis anos, dando  conta dos princípios promovidos por esta Conveção- Quadro,  se refere a destruição da ponte de  Mostar, a antiga ponte que unia as margens do rio Neretva, dinamitada  pelos croatas da Bósnia  em  Novembro de 1993, com a simbologia  fratricida que se conhece.  Oliveira  Martins não o diz assim, mas todos sabemos que lá onde se perpetram  crimes graves contra o património  existe  alguém capaz  de cometer crimes  maiores  contra  a humanidade.   Fora do quadro geográfico da Europa, quem destrói as imagens dos Budas de Bamiyan, na  Rota da  Seda,  esculturas  com mais de  1500 anos, como aconteceu em  Março de 2001, também destrói populações inteiras, massacra e faz explodir não só esculturas,  mas grupos humanos, pelo mundo fora, indiscriminadamente. Quem destrói  o templo de Palmira,  e dinamita um  Arco de Triunfo romano, com mais de 2000  anos de antiguidade,  como aconteceu  em  Agosto passado,  é o mesmo Estado  que decapita soldados e jornalistas diante dos olhos do  mundo inteiro.  E acontece assim, porque o Património não  se confunde com  a Humanidade, mas é dela o seu retrato.

 Por isso se torna não importante, numa escala menor, ou mesmo residual que seja, demonstrar como o  respeito  por aquilo que foi útil e belo para os que já passaram pela Terra e nos deixaram o seu testemunho como herança,    merecer a consideração   do presente, e  convidar  à admiração mútua  futura,   pela beleza  expressa na diferença  dos  séculos, das etnias,  das nacionalidades,  a admiração  que concilia  povos,  territórios, falas, línguas,  literaturas, música e músicas.  Conceitos que não se vivem  em  abstracto,  nem  surgem  só em petições de princípio,  antes se concretizam   nas escolhas que fazemos,  miúdas escolhas do dia a dia, decisões curtas,  por vezes, mas decisivas nos lugares onde vivemos.  Decisões, junto das nossas portas.  E neste caso,   junto  das nossas  portas,  está  a região que aqui nos reúne,  o Algarve.

Para quem aqui vive, aqui nasceu, ou pura e  simplesmente para quem  estima esta região,  é difícil encontrar palavras  para  proceder  em poucas  linhas  a uma  invocação  competente. O facto do  afecto  sempre se sobrepõe à clareza.   Ultrapassemos, nesta circunstância, a expressão do afecto. 

Numa divisa assumida pela propaganda turística do Estado Novo, dizia-se,  então,  que outrora, os deuses antigos, cansados das  guerras e das  árduas batalhas do amor, voavam para estas paragens para descansar  e aqui fazerem a sua sesta. A Democracia não negou de todo esta mítica vocação de relaxe, mas sem dúvida que lhe emprestou actividades mais dinâmicas,  porque  não se dedicou a emprestar este território a deuses  imaginários, e sim, a gente bem humana  e bem palpável.  No entanto, como se sabe,   na  representação  imaginosa da aurea medirocritas  clássica,   é que não  existe defeito.  Na realidade, sim, o defeito sempre existe.  E para as populações concretas, efectivas,  e  as nómadas, turísticas, migrantes, visitantes dos nossos tempos,  ao longo dos anos,  não tem sido  fácil  criar harmonia.

Fácil, aliás, seria enumerar os erros, as zonas de caos, as zonas de sobreposição,  as zonas de desprezo,  as zonas de pretensão,  as zonas de amadorismo, as zonas de corrupção.  Mas esse é um caminho fácil.  Em oposição,  também não seria  difícil  enumerar as zonas de conforto, de preservação, de  desenvolvimento,  de beleza e de construção integrada,  zonas de recuperação,  aqueles lotes de paisagem que permitem a criação de imagens publicitárias  que  dão do Algarve a imagem de uma das regiões mais belas da  Europa.  O que se nos pede, porém, neste tipo de  encontros,  é que façamos  alguma coisa  mais  difícil  – Que se assuma  o estado patrimonial  que  existe como uma criatura  que está como está,  e a quem teremos,  sobretudo , de acrescentar   construções,  adiantando   propostas  que,  um dia, no balanço do futuro,  exibirão  por sua vez  a marca da nossa época, e do nosso grupo,  com seu  devido  acerto e seu  erro próprio.
Tanto mais  que,  em vários aspectos,  desde há um certo tempo,  que estamos a viver,  forçosamente, um momento  de viragem  de conceitos,  e importante  mudança de perspectivas. Inscritos numa zona de instabilidade entre  o Mediterrâneo e o  Atlântico,  com a História a fazer-se veloz, diariamente,  sob os nossos olhos,   não há quem não reconheça  que este é um momento particular , um momento  que nos obriga a reflectir  e a aprofundar  aspectos cautelares no que diz respeito à nossa identidade  naquilo que ela  têm de mais essencial.

Aliás, como observadora, por certo nem sempre lúcida,  ainda que   empenhada,  registo  com satisfação   que   essa viragem  ocorra em  áreas  tão decisivas  quanto  são, por exemplo,  as que dizem respeito  à  concepção  da  paisagem natural e à  paisagem construída, e a ambas, quando  integradas.  Hoje,  pode-se dizer que a devastação criada pela fúria imobiliária  -  devastação  voluntária,  entenda-se,  que só teve semelhança, no passado  mais recente, com a fúria  do regresso ao primitivo, na era liberal  e romântica do século XIX,   quando se  derrubou a camartelo, desnudou e enviou para os aterros o melhor dos nossos monumentos -    essa fúria imobiliária,  dizia, se não parou, pelo menos está contida, para bem do equilíbrio social, e harmonia da paisagem urbana.  Uma fúria imobiliária,  como não poderia deixar de ser,  agora criticamente avaliada,  e redimensionada no terreno.  Implosão passou a ser uma palavra digna.  O mesmo se pode dizer em relação à  paisagem natural. A progressiva consciência  de que é preciso respeitar a natureza  dos vários territórios , bem como os  movimentos ecológicos locais, promovidos  pelas associações de cidadãos,  e pelo trabalho da Universidade,  tende a repor  desvios cometidos e por certo pugnará  até ao extremo,  pelo maior bem da região, os fundamentos da sua identidade  -  a salubridade do mar, do ar,  das espécies, a fertilidade da terra nos locais onde não pode ser tocada, nem arruinada, nem construída.  Talvez não seja,  pois, errado  falar, de que se encontra em marcha um  movimento de correção.  Neste campo  patrimonial,  a  correcção será, porventura,  a nossa  próxima forma de expansão.

Correcção nos recursos dos equipamentos culturais, também.  O Algarve  do ponto de vista da sua dinâmica cultural, dividida por municípios  que entre si se rivalizam,   constitui, cada vez mais,  um arquipélago  de cidades artificialmente separadas,  de que a união e a coordenação em torno de projectos  comuns  constitui práticas esporádicas e excecionais.  Mas a constatação, cada vez mais frequente,  de  que  a região  vai ter de  funcionar como uma metrópole cultural,  articulada,  com partilha e coordenação de recursos,   necessidade  reconhecida pelos  vários intérpretes regionais,  por certo que  tenderá a encontrar uma liderança que a  promova , e uma administração que a execute.   Decidir sobre a terra com minúscula, é sempre decidir sobre  a Terra com maiúscula.

Por outro lado,  tomada a consciência de que a valorização e  conservação do  Património   construído tem de ir a par do Património imaterial da  região  - o que pelo menos em parte tem sido  realizado ao logo dos últimos anos -  se não estou em erro, carece  da tomada de alguns  cuidados   sem os quais  os cidadãos  não se reverão no seu património, como um bem  que lhes diga respeito.  É  que a  herança   oral  de  aparato folclórico, coreográfico  ou  religioso,   a par da sua  preservação, carece de instrumentos de  integração  que os incorpore na modernidade,  sem os quais, a cultura pop  homogénea   tenderá a  apagar os vestígios distintivos  provenientes do passado, aqueles  que  determinam a identidade  única e  original .  Essa é uma luta importante, porque representa  a tentativa de promover  a  diferenciação, de  manter  uma inscrição no tempo que  distingue,  e uma aposta no ex-ótico   que  enriquece .  Embora  esse  salto qualitativo,  que se pretende     que seja dado, num mundo em que  a sofisticação  dos instrumentos   tomou de assalto a sofisticação dos conteúdos,   seja difícil de dar.  Se vale a pena?  Em  minha opinião, sim. 
O reforço na identidade cultural de uma sociedade é a melhor garantia  de que  quem, vindo  de fora, a  procura, não apenas se desloca no espaço, mas viaja.  A  noção de  oferta turística enquanto assimilação antecipada  em relação àquele que nos visita,  é  uma aposta  demasiado   escassa.  Encontrar o mesmo à chegada  que se  possuía à partida  não recompensa.  Seria o mesmo que os  habitantes de  Veneza, ou Roma, em vez de nos oferecerem melancia  vermelha  servida em  vidro de Morano, nos oferecessem  a nós, portugueses,  pasteis de  Belém,  junto  à  Fonte de Trevi.
Aliás, parece ser  um princípio  tão basilar que uma vez exposto  se confunde com o  óbvio,  o  afirmar  que a valorização  do autêntico,  o histórico  e o criativo,  se deve dirigir, em primeiro lugar,  para os próprios  sujeitos da comunidade   de origem.  Os próprios  como primeiro destinatário,  os habitantes  nativos,  os  da própria  região,  até pela simples  razão de que os próprios  fazem parte do património que se move.  E embora em  acto contínuo,   os visitantes  de uma região,  de  uma cidade estrangeira,  ou o que quer que seja, se transformam  em destinatários privilegiados, porque acolhidos no mundo que é dos outros e do qual passa a partilhar do seu  melhor. 
Por isso,  Sagres,  o mítico promontório de Sagres,  local  simbólico de partida  para a primeira globalização,  não pode deixar de se transformar  num local  de visita  indispensável,   em primeiro lugar, para os  cidadãos portugueses.  Um local  incontornável de visita para os europeus,  e para os cidadãos do mundo inteiro que  passem pela Europa da Sul.  Um esforço que deve ser feito – aliás, que está a ser feito -  um objectivo  em torno do qual nos temos de unir.

Mas também me parece  não menos importante  a consciencialização de que  a região  se nutre de uma  narrativa histórica,  uma poética e  uma narrativa ficcional,  faltando-lhe uma narrativa cinematográfica,  com raízes nesta zona,  ou  tendo esta zona como sujeito transfigurado.  A  indiferença   por essa dimensão  é  imensa,  e  no que diz respeito  à  narrativa cinematográfica,  o retraimento   se não é total, é quase.  A  chamada de atenção para essa dimensão  estruturante da identidade  através  da efabulação  e da transfiguração poética por meios  audiovisuais,  numa zona que em tempos foi  ocupada  por  povos  sobre os quais  consta que tinham o seu corpo de leis escrito em verso,  pareceria  fazer todo o sentido.  Mas talvez  esse sentido só seja encontrado um dia, mais tarde, quando a nossa  ambição  for outra. 
Ou talvez,   pelo contrário, estas palavras, daqui a alguns anos, pareçam desconjuntadas e  ridículas.   Ninguém nos garante que a aposta na colonização cultural, na homogeneização, na facilitação, na infantilização  da cultura,  nos serviços  de entretenimento comprados à distância, por catálogo,  não seja a aposta  global vencedora. Ninguém nos garante que a aposta  de que  a  Terra, sim, será  plana,  parafraseando  o título voluntarista do    cronista do The New York Times ,  autor  no domínio  da economia liberal, de The world is flat ,   não venha a ser  o  que nos espera, no plano do Património e da Cultura.  O que a Convenção – Quadro   do Conselho da Europa  procura  precisamente  é  inverter esse caminho, com a promessa do reforço  da criação de valores de diferenciação positiva.  Os seus mentores, alguns  deles  aqui presentes,  asseguram esse ideal,  um ideal  que por certo se transformará  em  realizações  justas  aqui , sobre esta terra.


Uma nota  pessoal  para dizer que,  sobre esta terra,  tenho escrito dezenas de páginas,   e  a partir dela   tenho fantasiado  centenas, talvez  mais de um milhar. Mas a imagem síntese do que me prende a este território, talvez só o tenha encontrado há dois anos, quando me pediram que escrevesse  um texto  de introdução a um livro sobre  Vilamoura.  Debruçando-me durante algum tempo sobre esse que foi entre nós, nos anos sessenta, o projecto  mais coerente da   criação   de uma  cidade  moderna,  criação a partir  de um espaço aberto,   edificado sobre a reminiscência de uma  antiquíssima  ruína, dei-me conta  do  achado de uma  lamparina de azeite, uma pequena lucerna,  aquando das primeiras escavações no local.   Essa lucerna de barro   acabaria por ser,  durante muito tempo,   o  emblema  de Vilamoura. Passei a gostar dessa lucerna.  A ideia que eu tenho, agora,  é de que ela é o símbolo de toda uma região  se,  no seu caco de terra cozida,  formos capazes de acender a chama  que ainda lhe falta.  Não tenho  dúvidas de que nós, aqui reunidos, queremos acendê-la.  A minha esperança não tem limites. Obrigada.


*Comunicação de Lídia Jorge na Conferência Internacional por ocasião do 10º aniversário da Convenção  de Faro

27 de Outubro de 2015

Teatro das Figuras