sexta-feira, 23 de setembro de 2011

[ECOS] Do Citador - "Combateremos a Sombra"


Opinião de Leitura
Combateremos a SombraCombateremos a SombraAutor: Jorge, LídiaLeitor: Paulo Neves da Silva
OpiniãoUm romance em torno de um psicanalista onde se faz a psicanálise de um país, Portugal, estereotipado em vários tipos de personagens, e num obscuro caso cujos contornos traduzem um conjunto de interesses instalados cujos tentáculos aprisionam toda uma sociedade, quer os seus elementos estejam directamente envolvidos ou não. 

O psicanalista Osvaldo Campos é um homem "bom", e consciente dessa característica que lhe causa vários dissabores em termos do seu estatuto social, em que a sua mulher se separa dele ao envolver-se com outro psicanalista mais reputado e realista, que, ao contrário de Osvaldo, faz-se pagar bem e não possui uma agenda de consultas onde são mais os pacientes não pagantes que os pagantes. Maria London é a sua paciente preferida, com relatos de sonhos em que a realidade e o sonho se confundem, e que vai constituir o embrião do grande caso de crime e corrupção que o psicanalista vai tomar como a sua cruzada pessoal, aguçada ainda pelo caso amoroso com Rossiana, misteriosa personagem presa em cativeiro dois andares abaixo do seu consultório e que muito contribui para o aumento do perímetro de pesquisa de toda uma teia de interesses ilícitos onde quase toda a gente importante neste país estaria envolvida. 

De mistério em mistério, intercalados pelas consultas a outros pacientes com estranhas obsessões, tudo e todos acabam por se ir conjugando num adensar de um estado de espírito colectivo que provoca várias atitudes radicais do psicanalista quer face aos seus pacientes quer face ao seguimento das pistas despoletadas por Maria London, ultrapassando o seu próprio código ético. Num envolvimento cada vez maior, e num atrevimento que não seria o desejável nesta sociedade, várias portas se vão fechando e vários estranhos silêncios se vão consolidando, e, à medida que a lucidez de Osvaldo vai aumentando quer a nível pessoal que a nível social, maior é a estranheza e desconforto que sente e que o encaminha para uma fatalidade que a escritora Lídia Jorge, magistralmente, e fazendo jus ao clima do romance, deixa ao leitor para interpretação e conclusão acerca dos seus verdadeiros contornos, e muitas são as pistas e mistérios adicionais deixados após o desenlace principal da narrativa. 

Em suma, um enredo riquíssimo e variado com um ritmo que cativa e estimula o leitor ao longo das quase quinhentas páginas do romance, mantendo o interesse bem vivo até à última página, onde muitos são os pontos altos, não apenas em tudo o que está associado ao gigantesco caso de crime e corrupção, mas em vários momentos particulares em torno dos pacientes de Osvaldo, da sua história de amor com Rossiana e dos seus ideais, do seu ensaio "Quanto pesa uma alma?", da história de Maria London, das situações tensas vividas com a sua mulher Maria Cristina, e das atitudes dos seus colegas e conhecidos à medida que se radicaliza e se estranha o comportamento de Osvaldo. A perspectiva correcta sobre o real, ingénua por natureza por não aceitar as regras instituídas, é uma atitude que se paga caro num ostracismo não assumido que obriga a uma adaptação restritiva ou a um isolamento resignado sob pena de corromper a própria alma num processo de esvaziamento à medida que se nivela com a mediocridade da maioria da sociedade.
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