Este chão que marca
Lídia Jorge *
O que transforma uma região, uma cidade, um país ou mesmo um continente, num local de ficção, é o nosso olhar. É o nosso olhar sobre os homens que os transforma em personagens, figuras tímidas ou heróis triunfantes, grandes colectivos ou figuras individuais, conforme o nosso alcance e a nossa fantasia. Tudo depende da nossa relação com a terra, esse pilar da nossa verdade.
Mas se muitos dos meus livros têm a marca deste local, não é só porque em relação a ele existe um laço feito de berço, amor e proximidade. É porque a sua atmosfera física incita a imaginação, e a sua vida passada e presente convida a que se invente a partir dela. A sua beleza, o seu isolamento, a sua ligação com as estrelas comovem e mordem o entendimento. Nas últimas décadas, a mudança tem sido tão veloz, para o bem e para o mal, que a sua transformação se tornou emblemática e chama a narrativa. E as figuras que dela saem, trazem a marca de uma luta que mais não é do que a síntese de uma evolução em torno da modernidade.
Reconheço que “O Dia dos Prodígios”, “O Cais das Merendas”, “A Instrumentalina”, “O Vale da paixão” ou “O Vento Assobiando nas Gruas”, encontram aqui a sua raiz e a sua morada, assumida e declaradamente. Nunca disfarcei essa intimidade. Pertenço ao grupo de escritores que consideram que os continentes, os países, as cidades ou as pequenas terras, uma vez inscritos no espaço da Literatura, só valem porque permitem descobrir aquilo que procuramos com a escrita – o entendimento do coração profundo dos homens. Por ventura, a luz viva, que por aqui tanto nos encandeia, abre um rasgão na realidade, de uma maneira tão particular que põe a nu o seu pulsar universal.
* Depoimento para a Exposição
"O Dia dos Prodígios. Lídia Jorge. 30 anos de Escrita Publicada"
"O Dia dos Prodígios. Lídia Jorge. 30 anos de Escrita Publicada"
entre 11 de dezembro de 2010 e 31 de março de 2011,
no Convento de Santo António, em Loulé.
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