Um possível Portugal
num futuro distante
num futuro distante
Fabio Mario da Silva *
Doutorando em Literatura (Universidade de Évora /FCT)
Em Setembro de 2009 vem à tona mais uma obra da renomada escritora portuguesa Lídia Jorge. A obra, dividida em dez capítulos, promove, através de um texto de caráter ensaístico, reflexões que giram em torno de um tema fulcral dentro da cultura e literatura portuguesas: a problemática da nacionalidade, do português no mundo, das relações do “eu” e do “outro”. O texto se inicia através de um relato de viagem, descobrindo algumas trivialidades, observa uma nação ( no seu fulgor abstrato) inacessível, mas nem por isso deixa de notar que ela tem futuro. Estas afirmações são feitas através de um jogo comparativo entre a sociedade e o modo de ser do português, contrapondo-os aos aspectos mais singulares do espanhol, dos europeus, dos americanos e dos povos falantes da língua portuguesa . É importante frisar que esta temática – a nacionalidade – é deveras discutida por grandes figuras da literatura e cultura nacional, como, por exemplo, por Fernando Pessoa (“minha pátria é minha língua”) e Alexandre Herculano (acreditava que a utilização de linhas de caminho-de-ferro que atravessassem a Península promoveria a diluição de Portugal em Espanha).
Nota-se, no capítulo que trabalha especificamente a mobilidade, que a ideia de cosmopolitismo fraterno atribuída aos portugueses, advinda dos contatos feitos através das descobertas, está em vias de extinção, pura e simplesmente, porque esta ideia distorcida foi incutida pelo Estado Novo e, mesmo permanecendo no nosso imaginário, desfaz-se com o enfrentamento da própria realidade portuguesa. A autora afirma que Portugal agora já não é apenas um país de partida (para os sonhos dos emigrantes), mas também um porto de chegada de várias outras nacionalidades, que vêm em busca dos mesmos anseios dos portugueses além-mar.
Lídia Jorge expõe veementemente seu pensamento sobre o futuro de Portugal através da seguinte dicotomia: o país, num futuro próximo, seria mais educado, mais culto, mais cívico, mais crítico, mais próspero, mais miscigenado, mais solidário, mais justo; porém, se acaso tivesse um tempo a mais para pensar na questão, a autora acredita que não se admiraria se a sociedade portuguesa, a par desses progressos, se tornasse mais violenta, mais egoísta, mais injusta, mais passiva, mais sedentária, ainda mais pobre e burocrática. De certa forma, estas colocações refletem as inúmeras interpelações que a sociedade portuguesa faz sobre si mesma e sobre suas possibilidades futuras. Será que o futuro de Portugal, como disse Fernando Pessoa, está além-mar?
O que efetivamente a autora faz no seu ensaio são conjeturas, a partir de suas vivências, cruzando-as com dados concretos que dispõe, através da sua imaginação e de sua escrita narrativizada, refletindo o futuro, a partir de um discurso que confronta o presente e o passado português que, necessariamente, é um passado que viola as barreiras da atualidade e insiste em penetrar na vivência do hoje na sociedade. O texto é uma constante reflexão (em torno de temáticas como, por exemplo, comunicação, imprensa, livro, língua, cidades e mitos), contrapondo o Portugal de hoje, que tem futuro, com um possível Portugal num futuro distante, tudo sempre analisado a partir da ótica do passado. Ou seja, em relação às entrelinhas do texto, configura-se uma abordagem saudosista, contrapondo a uma reflexão futurista, dos aspectos analisados da sociedade e cultura portuguesas.
É neste tom, anunciado desde as citações que constam da capa, que esta obra de Lídia Jorge é de fundamental relevância para os estudos da cultura portuguesa e vem dar seu contributo para (re)pensar esta sociedade, a partir de uma visão do macro (mundo globalizado) para o micro (cultura portuguesa). No levantamento breve nota-se que o vocábulo futuro é constantemente utilizado como quem almeja um outro país, que consiga sobreviver sem insistir tanto em olhar para o passado, todavia consiga enxergar a sua história passada apenas como um grande patrimônio cultural e não como único ato de sobrevivência da atual sociedade, porque se esta atitude e posicionamento não mudar, acarretará uma grande problemática: “Nada nos garante que no futuro não existam portugueses que assumam sê-lo com orgulho, mas que se tornem indiferentes ao destino de um país chamado Portugal” ( Jorge, 2009, p. 180).
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* Recensão "Contrato Sentimental, Lídia Jorge",
Porto Alegre, EdiPUCRS, 2010
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