segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Poema * Para António Alçada Baptista

Narrativa

Três bules sobre a mesa. Três chás.
Um é para ti, outro é para mim
E sobre o terceiro, tu disseste – Este é para Deus.

Ele não se senta, não tem lábios
Não tem dedos, não traz roupas, não tem olhos
Nem lê meu livro nem meu cravo.

De seu escravo sou pessoa
De seu rosto sou artista
E não me calça nem me despe
Não me enxerga nem me enlaça.
Não me acorda se desfaleço
No deserto do meu leito.
Não tem beijos para colocar na minha face.

E no entanto, três bules estão sobre a mesa.
Servi-os, peregrinando interiormente até ao fim do Mundo.
Ele há-de vir e há-de ser tudo.
Hei-de ser mudo até sentir o chá terceiro
Evaporar-se. Sobre o estendal desta toalha
Onde escrevi a espera, nunca é tarde.

Lídia Jorge *
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* Incluído no livro
 "António Alçada Baptista: Tempo afectuoso - Homenagem ao escritor amigo de todos nós",
Presença, fevereiro de 2007
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